No último ano, o mundo corporativo e tecnológico tem sido inundado por previsões apocalípticas sobre o impacto da Inteligência Artificial (IA) no mercado de trabalho. Desde CEOs de Silicon Valley a cientistas renomados, muitos têm alertado para os riscos potenciais da IA, chegando ao ponto de falar em “extinção da humanidade”. No entanto, passado um ano destas declarações alarmistas, é hora de fazermos um balanço realista da situação.
Como jornalista que acompanha de perto as tendências tecnológicas e sociais, tenho observado uma discrepância significativa entre o pânico gerado e a realidade do mercado de trabalho. Dados recentes sugerem que, até ao momento, o impacto direto da IA na perda de empregos tem sido mínimo. Em 2023, por exemplo, apenas cerca de 4.000 cortes de empregos foram atribuídos à IA, um número irrisório quando comparado com as dezenas de milhares de postos de trabalho perdidos devido a condições económicas adversas ou encerramentos de empresas.
Esta disparidade levanta questões importantes sobre a natureza do debate em torno da IA. Estaremos a exagerar os riscos imediatos, desviando a atenção de problemas mais prementes? Ou será que estamos apenas no início de uma transformação profunda, cujos efeitos ainda não se manifestaram plenamente?
É verdade que algumas empresas já começaram a implementar soluções de IA em larga escala. A Klarna, por exemplo, afirma ter substituído o trabalho de 700 funcionários por sistemas de IA no atendimento ao cliente. No entanto, casos como este ainda são a exceção, não a regra.
As previsões sobre o impacto futuro da IA no mercado de trabalho variam drasticamente. Enquanto algumas consultoras estimam que quase metade dos trabalhos atuais poderão ser automatizados, outros estudos, como o do MIT, sugerem que apenas um quarto dos empregos que requerem visão serão totalmente automatizáveis. Esta variação nas estimativas reflete a incerteza inerente a uma tecnologia ainda em desenvolvimento.
É importante lembrar que Portugal, assim como muitos outros países europeus, enfrenta desafios únicos neste cenário. Com um tecido empresarial dominado por pequenas e médias empresas, muitas das quais ainda lutam para adotar tecnologias básicas, a implementação generalizada de IA avançada pode estar ainda longe. Além disso, o nosso país tem uma tradição de adaptação gradual às mudanças tecnológicas, o que pode proporcionar um amortecedor contra disrupções súbitas no mercado de trabalho.
No entanto, não podemos ser complacentes. A história mostra-nos que as revoluções tecnológicas, embora por vezes lentas no início, podem acelerar rapidamente. O setor automóvel, por exemplo, levou décadas a automatizar-se significativamente, mas quando o fez, o impacto foi profundo.
Como sociedade, precisamos de encontrar um equilíbrio entre abraçar o potencial inovador da IA e proteger os trabalhadores das suas potenciais consequências negativas. Isto implica investir em formação e requalificação, adaptar os nossos sistemas educativos para as competências do futuro, e considerar políticas de proteção social que possam amortecer os impactos da transição tecnológica.
Em última análise, o debate sobre a IA e o futuro do trabalho não deve ser dominado pelo medo ou por previsões excessivamente otimistas. Precisamos de uma discussão nuançada, baseada em dados concretos e na compreensão das realidades específicas do nosso país e da nossa economia.
A IA, como qualquer tecnologia transformadora, traz consigo desafios e oportunidades. O nosso papel, como cidadãos informados e ativos, é garantir que esta transformação seja gerida de forma a beneficiar toda a sociedade, não apenas um segmento privilegiado. É este o verdadeiro desafio que temos pela frente – não o espetro de robôs a roubar empregos, mas a tarefa muito real de moldar um futuro onde a tecnologia e o trabalho humano coexistam de forma harmoniosa e produtiva.