Com um novo plano de paz para a Ucrânia, elaborado pelos Estados Unidos e pela Rússia, que prioriza os interesses de Moscou, as autoridades russas enfrentam um desafio crescente: o que fazer com os veteranos de guerra. Dados indicam que, ao retornarem do conflito, muitos ex-militares estão lidando com um aumento de violência e problemas de saúde mental, enquanto o governo parece desconsiderar essa situação.
Recentemente, o presidente Vladimir Putin declarou que cerca de 700 mil militares russos estão envolvidos na guerra na Ucrânia, cumprindo diversas funções, desde combate até posições administrativas em áreas ocupadas. Muitos desses soldados ingressaram no exército por motivos financeiros ou por promessas de perdão judicial. A inteligência ucraniana estima que cerca de 180 mil detentos, condenados por crimes diversos, se alistaram desde o início do conflito em 2022.
Embora Moscou não divulgue números oficiais sobre as perdas humanas desde fevereiro de 2022, especialistas estimam que o total de mortos e feridos esteja próximo a um milhão. Além disso, muitos soldados sofreram amputações e recebem pensões que muitas vezes não são suficientes para cobrir as despesas básicas.
Os efeitos psicológicos da guerra também são alarmantes. Um estudo realizado em um hospital psiquiátrico de Moscou com 140 veteranos mostrou que cerca de metade dos entrevistados apresenta sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Outro levantamento em um hospital em Novosibirsk revelou que 32 dos 120 veteranos analisados relataram intenções suicidas.
Os serviços de apoio médico e psicológico enfrentam dificuldades em atender a essa crescente demanda, deixando muitos veteranos sob os cuidados de familiares, especialmente mulheres, o que intensifica a pressão sobre esse grupo. Além disso, o estigma associado à busca de ajuda psicológica frequentemente impede os veteranos de procurarem apoio. O uso de álcool e drogas é comum entre aqueles que não conseguem lidar com suas experiências traumáticas.
A violência entre veteranos também preocupa. Uma análise de documentos policiais indicou que 378 mortes, incluindo homicídios e acidentes de trânsito, foram relacionadas a ex-combatentes desde 2022, com um número significativo de vítimas sendo mulheres. Um caso trágico é o de Pyotr Moiseyev, que, após retornar da guerra e após um desentendimento com sua parceira, a agrediu e acabou condenado.
Estudos apontam que veteranos de guerra são mais propensos a cometer atos de violência doméstica em comparação a homens que não passaram por essas experiências. A insegurança que essa situação causa na sociedade pode fazer da Rússia um lugar mais violento após o conflito.
Em março, uma fundação pediu ao governo russo que suspendesse o recrutamento de indivíduos condenados por crimes violentos e que os veteranos com antecedentes criminais fossem supervisionados, mas essa proposta ainda não foi implementada.
As famílias de veteranos relatam uma “operação abafa” em torno dos crimes cometidos por ex-combatentes, e há relatos de agressões que terminam em absolvições. Existe uma norma que proíbe a imprensa estatal de focar em crimes cometidos por veteranos, o que visa evitar que a população veja esses ex-militares como potenciais criminosos.
A história da Rússia possui precedentes similares. Nos anos 1980, veteranos da guerra do Afeganistão retornaram ao país enfrentando sérios traumas psicológicos e uma realidade social em transformação. Naquele período, muitos veteranos foram recrutados por organizações criminosas.
Recentemente, com o retorno dos soldados da Ucrânia, especialistas alertam para o risco de reintegração de indivíduos problemáticos na sociedade, uma vez que muitos veteranos têm antecedentes criminais. Além disso, mesmo em um contexto econômico diferente do passado, o impacto financeiro do retorno à vida civil preocupa, pois muitos soldados recrutados durante a guerra buscavam uma alternativa financeira.
Apesar de alguns veteranos terem conseguido cargos políticos, a maioria ainda enfrenta desafios. O governo não tem investido em desenvolvimento econômico nas regiões dos vetores de recrutamento, o que pode deixar milhares sem oportunidades dignas.
Nas últimas eleições, uma quantidade significativa de veteranos foi eleita, e o governo os considera parte de uma nova elite. Contudo, os desafios sociais e de reintegração permanecerão uma preocupação significativa para o futuro da Rússia pós-conflito.